sábado, 17 de outubro de 2015

Cabocla Tereza (1944)

CABOCLA TEREZA

(Letra: João Pacifico / Música: Raul Torres / Interprete: Raul Torres & Florêncio)




Cabocla Tereza é uma daquelas obras únicas e atemporais, que revolucionaram a forma como as composições eram realizadas e inspiraram toda uma geração de artistas.

Superou todas as limitações técnicas da época e tornou-se um dos clássicos da música sertaneja. Atualmente é impossível calcular quantas vezes esta música foi regravada.

Conheça agora a história desta composição, que pela primeira vez teve uma vítima em uma música, a morte da personagem principal.

Vida e obra de uma cabocla

O ritmo apresentado na música é chamado de “Toada Histórica” e tem como princípio a maneira de contar uma história declamando versos, dentro de uma música.

Este ritmo foi criado por João Pacifico e apresentado pela primeira vez na música Chico Mulato em 1937. A música Cabocla Tereza foi a segunda música a ser gravada, fazendo uso desse recurso.

Mas qual o segredo desta canção? O que faz ela ser tão adorada pelas pessoas?

João Pacifico
Segundo o compositor da letra, João Pacifico, ele acredita que os sucessos de suas toadas estão no fato de que as pessoas que ouvem suas obras gostam de ouvir histórias. Mas não podem ser histórias vazias, elas devem ser completas, com começo, meio e fim, num formato de folhetim, quase como uma notícia de Jornal.

João percebeu isso quase que sem querer, apenas pela observação da aceitação que o público tinha sobre sua música e a partir de então passou a utilizar este método como formula para todas as suas composições.

Porém, devido a limitações técnicas, quase não teríamos registro histórico sobre esta nova forma de se fazer música.

A tecnologia utilizada para a gravação de discos entre 1913 e 1950 era o formato conhecido como 78 rotações, que tinha este nome porque indicava a quantidade de voltas que o disco dá em um minuto. Passou a ser utilizado como padrão de mídia, em vitrolas movidas a manivela. A capacidade de armazenamento da mídia era cerca de 3 minutos em cada lado do disco.

Ambas as músicas originalmente tinham mais do que três minutos, então coube a um grande visionário viabilizar o meio para que esta obra fosse registrada.

O presidente da gravadora RCA Victor no Brasil, Sr. Evans, gostou tanto do novo ritmo que tratou de dar um jeito para fazer a música caber no formato.  Cortou parte da orquestração aqui, apertou um pouquinho ali até que a música coubesse toda de um lado do disco e ainda incentivou João Pacifico a escrever novas músicas no mesmo estilo.

Quem são os compositores

A música Cabocla Tereza foi composta por João Pacifico (Letra) e Raul Torres (Música).

João Pacifico é o nome artístico de João Baptista da Silva. Nasceu em Cordeirópolis, interior do estado de São Paulo, no dia 05 de agosto de 1909.

Teve seu primeiro contato com música ainda criança, quando morando em Limeira-SP, viu a apresentação de um grupo de teatro de revista e se encantou pela bateria que era tocada pela banda. Depois de muito insistir, conseguiu algumas lições de como tocar o instrumento com os artistas.

Mas a paixão de João era escrever versos, onde conseguia revelar sua alma cabocla.

Aos dez anos, mudou-se para Campinas-SP, quando sua mãe foi trabalhar na casa de Ana Gomes, irmã do maestro Carlos Gomes. Neste período passou a ter contato com músicos da cidade grande.

Raul Torres é o nome artístico de Raul Montes Torres. Nasceu em Botucatu, interior do estado de São Paulo, no dia 11 julho de 1906.

Começou a carreira como cantor em sua cidade natal, cantando músicas caipiras em festas.

Raul Torres
Raul Torres começou a cantar profissionalmente a partir dos anos 20, quando se mudou para São Paulo. Na capital paulista fez parte de um grupo chamado Turunas Paulistas, cantando Sambas e Emboladas (ritmo parecido com o “repente” que teve origem no nordeste brasileiro).

Foi somente em 1927 que se dedicou a tocar modas de viola, quando foi contratado pela rádio Educadora de São Paulo.

Raul Torres também compôs músicas de forma independente, que hoje são considerados clássicos da música sertaneja. Entre elas destaca-se Saudades de Matão (o compositor colocou a letra sobre um ritmo de valsa chamada Francana, de composição do Maestro Jorge Galati e executada com muito sucesso nas rádios).

João Pacifico foi apresentado à Raul Torres por meio do escritor e poeta modernista Guilherme de Almeida.

Vivendo em campinas, João trabalhava como ajudante de lava pratos no carro restaurante da Cia Paulista de Estrada de Ferro. 

Todos na companhia conheciam a fama que João tinha de poeta e escritor de versos. Certa vez, o cozinheiro pediu que João lhe desse alguns versos que havia escrito, pois entregaria à Guilherme de Almeida, que era viajante frequente e estava a bordo do trem.

O escritor gostou do que leu e mandou entregar a João um cartão de visitas, pedindo que o procurasse na Rádio Cruzeiro do Sul em São Paulo, onde era Diretor.

Guilherme de Almeida
João Pacifico então se dirigiu à rádio e foi recepcionado pelo próprio Guilherme de Almeida, que o apresentou à Paraguassú (nome artístico de Roque Ricciardi), um dos cantores paulistas de maior cartaz na época.

João mostrou a Paraguassu uma canção em ritmo de embolada que havia escrito, chamada “Seu João Nogueira”. Paraguassu não se interessou pela música, alegando não ser o tipo de canção que se adequasse ao estilo que cantava e sugeriu que procurasse Raul Torres, cantor e apresentador de programas na rádio que tinha gravado emboladas no início da carreira. Raul gostou do que viu e gravou a canção em janeiro de 1935 pela gravadora Odeon.

A partir daquele momento teve início a carreira artística de João Pacifico. Após a gravação deste disco, passou a escrever e a gravar outras músicas, inclusive em outros ritmos, como marchinhas e valsas.

Fatos que marcaram a carreira dos artistas

A fama de João Pacifico como compositor chegou ao conhecimento de Diogo Mulero (cantor Palmeira), Diretor na gravadora RCA Victor, que o contratou para trabalhar na gravadora. Neste mesmo período, contrataram também Raul Torres.

A primeira música de João Pacifico gravada pela RCA Victor foi Chico Mulato. Há uma curiosidade nesta gravação, pois naquela época, Raul Torres fazia dupla com o sobrinho Serrinha, que teve um problema com a voz. Coube a próprio João Pacifico cantar a música, em conjunto com Raul Torres.

Raul Torres tinha muita simpatia por João Pacifico e gostava do material produzido pelo compositor. Escreveram cerca de 40 músicas em parceria, como por exemplo “Pingo D’agua”.

A dupla Raul Torres e Florência teve início em 1942 e durou até 1970, sendo uma das mais duradouras e influentes da música sertaneja. Juntos a dupla gravou mais de 40 discos (somando 78 rotações e LPs).

Raul Torres, Florêncio e João Pacifico

Florêncio (nome artístico de João Baptista Pinto) era natural de Barretos, interior do estado de São Paulo. Ele era farmacêutico e tentava compartilhar a carreira de cantor com a profissão, porém devido à popularidade que vinha alcançando ao se apresentar em rádios da capital e do interior, decidiu se dedicar integralmente à carreira artística.

Em 1945, Torres e Florência obtiveram talvez seu maior sucesso com a moda-de-viola a canção A moda da mula preta, também de Raul Torres e João Pacífico, incluída até hoje entre os clássicos da música caipira.

A dupla Torres e Florêncio foi quem imprimiu um estilo de canto com duas vozes mais médias e que mais influenciou outras duplas até o surgimento de Tonico e Tinoco, que se apresentavam com um canto mais agudo.

A dupla se desfez em 1970, quando ambos vieram a falecer.

Em Botucatu, foi erguido um monumento na Praça Comendador Emilio Pedutti (a praça do bosque), marco zero do município em homenagem a Raul Torres.

Monumento à Raul Torres na praça do Bosque em Botucatu-SP

Florêncio foi uma das principais influências do violeiro e cantor Tião Carreiro.

João Pacifico faleceu em 1998, na cidade de Guararema.

Em sua cidade natal, Cordeirópolis, em homenagens a João Pacifico, foram criadas a “Casa da Cultura João Pacifico” e a “Medalha João Pacifico”, instituída pela Câmara Municipal e dada a Personalidades.

Em Guararema, instituiu-se a “Semana João Pacifico”, em homenagem ao poeta.


Fontes:
  • Programa Viola minha Viola – Participação de Adauto Santos, João Pacifico, Nonô Basilio. Apresentação de Moraes Sarmento – Tv Cultura – Mai/1980
  • Artigo: Breve música da indústria da Música no Brasil – Site: http://www.musicaltda.com.br – Mai/2014
  • Artigo: Entenda os termos mais usados no mundo dos discos de vinil – www.somvinil.com.br – Jan/2011
  • Livro: E o Rádio? Novos Horizontes Midiáticos – Luiz Arthur Ferraretto e Luciano klöckner – EdiPUC - 2010
  • Blog: Museu da Canção – Cabocla Tereza – Nov/2012
  • Artigo: Biografia de Raul Torres e Florêncio – www.letras.com.br.
  • Artigo: Florêncio – Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira - www.dicionariombp.com.br
  • Artigo: Homenagem a João Pacifico, o Poeta do Sertão – Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo – http://www.al.sp.gov.br - Ago/2009
  • Programa Ensaio – Entrevista com João Pacifico – Tv Cultura – 1991.
  • Blog: PRB6 – Rádio Piratininga – Artigo sobre a Rádio Cruzeiro do Sul – Out/2010 - http://radiopiratininga.blogspot.com.br
  • Artigo: Moda de Viola Homenageia  João Pacifico – São Carlos Agora – www.saocarlosagora.com.br – Out/2015


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