domingo, 27 de setembro de 2015

A Majestade, o Sabiá (1985)

A MAJESTADE, O SABIÁ

(Composição: Roberta Miranda / Interpretes: Jair Rodrigues e Chitãozinho & Xororó)




A música “A Majestade o Sabiá” foi um diferencial no cenário musical, porque uniu três dos grandes músicos brasileiros em um mesmo trabalho (Jair Rodrigues, Chitãozinho & Xororó) e apresentou ao Brasil, aquela que viria a ser eleita a Rainha da Música Sertaneja, a cantora Roberta Miranda, mas que até aquele momento apareceria apenas como compositora.

Não porque ela quisesse ser apenas compositora, mas para o momento, era o melhor que podia fazer, até que fosse reconhecida como grande interprete.

Roberta Miranda
Roberta Miranda começou sua carreira cantando em bares e boates. Cantava todos os estilos musicais, mas aderiu ao estilo sertanejo, porque segundo ela mesma, tratava-se de um estilo musical que tocava o seu coração. A música sertaneja fez parte de sua infância, pois a pedido de sua mãe cantava os clássicos, em especial músicas de Cascatinha & Inhana.

Na tentativa de tornar-se cantora profissional e gravar discos, Roberta Miranda sofreu preconceitos no meio artístico, porque as gravadoras diziam que mulher não vendia disco.

Seguindo o velho ditado que diz “Quem não é visto não é lembrado”, Roberta Miranda passou a frequentar os bastidores das gravadoras, se oferecendo para realizar qualquer tipo de trabalho, só para estar próximo aos artistas, a fim de aprender, divulgar suas composições e principalmente lançar um disco. Ela sempre teve a certeza de que quando alguém lhe desse uma oportunidade, ela faria sucesso. 

Capa do disco Mulher - 1985
Roberta Miranda é dona da sua obra, porém em 1985 houve um fato que incomodou a compositora. Roberta recebeu uma proposta financeira para ceder a autoria da composição da música “De Igual para Igual”. Ela não cedeu, apesar de estar passando por situação financeira difícil, porque tinha o sonho de ver seu nome sendo anunciando nas rádios. Persistente, encontrou a dupla Mato Grosso e Mathias que topou gravar a canção. O nome do LP onde foi gravado a música chamou-se Mulher e foi um marco na carreira da dupla, pois com ele ganharam seu primeiro disco de platina.

As músicas de Roberta Miranda são autobiográficas e em geral refletem o momento que a artista está passando. A música “A Majestade o Sabiá”, surgiu em um momento de extrema dificuldade e graças a ajuda de uma pessoa que viria se tornar sua grande amiga, Wanda Alves.

Wanda Alves era cabeleireira e Roberta frequentava o salão dela, com o objetivo de utilizar o telefone em seus contatos no mundo artístico. Nos bate-papos entre um corte de cabelo e fazer a unha, Roberta conquistou a confiança de Wanda.

Neste período, Roberta dividia um apartamento com uma amiga e passado algum tempo, esta amiga se mudou. Sem dinheiro para arcar com todo o custo do aluguel, Roberta foi literalmente despejada, com os móveis sendo colocados na rua. Vendo a situação, Wanda foi até a amiga e a convidou para morar com ela, até que ela tivesse novamente um lugar para ficar.

Neste período, Roberta foi presenteada por Wanda, com um Sabiá Fêmea que batizou com o nome de Marylin. Roberta se afeiçoou ao pássaro que acabou inspirando-a compor o grande sucesso “A Majestade, o Sabiá”.

A vida de Roberta se resumia a cantar à noite e quando não estava cantando, estava compondo e quando não estava compondo, circulava pelas gravadoras oferecendo suas músicas.

Numa de suas andanças, encontrou com Chitãozinho e Xororó, que naquele momento trabalhavam na gravação do disco Fotografia, e ofereceu-lhes a música “A Majestade o Sabiá”. Como já haviam fechado o repertório do disco, declinaram, mas disseram a ela, que um amigo deles que estava no estúdio ao lado, estava em busca de músicas para fechar o repertório do seu disco.

Esse amigo era Jair Rodrigues, que depois de 22 anos trabalhando pela gravadora Philips, se transferiu naquele ano para a gravadora Copacabana e trabalhava em seu disco de estreia.

Jair Rodrigues
Jair tinha uma carreira regular, mas o auge de seu sucesso aconteceu em meados dos anos 60. Neste período dividiu palco com a grande cantora Elis Regina (que este ano se estivesse viva completaria 70 anos), no programa O Fino da Bossa, da tv Record. Participou do 2º Festival da Música Popular Brasileira promovido também pela tv Record, interpretando a música Disparada, composta por Geraldo Vandré, que empatou no primeiro lugar com a música “A Banda”, composição de Chico Buarque e interpretada por Nara Leão.


O músico sempre foi muito eclético, mas após os anos 60, dedicou-se a gravar discos de Samba onde teve muito dos seus discos censurados, pois o governo militar considerava as letras das músicas subversivas.

Jair ouviu a música de Roberta e adorou. De bate-pronto aceitou gravar a música, porém com uma condição, a de que Chitãozinho & Xororó cantassem com ele. E assim foi feito.

A Majestade, o Sabiá foi gravado em 1985 e o disco que continha a música, chamado somente de Jair Rodrigues, vendeu mais de um milhão de cópias e credenciou Jair a participar do seleto grupo de interpretes da música sertaneja. Viria a gravar outros sucessos sertanejos, como “Vaqueiro de Profissão” em 1997, tema da novela Rei do Gado da Rede Globo.


Capa do Disco Jair Rodrigues - 1985
Jair Rodrigues continuou firme na carreira, lançando e relançando sucessos ao longo do tempo. Continuou fazendo shows constantemente e parecia uma criança no palco. Eu mesmo tive a oportunidade de vê-lo em uma de suas apresentações em 2012, do alto dos seus 73 anos, cantando de forma firme e alegre todos os seus grandes sucessos. Em fevereiro de 2014, foi homenageado no teatro, com o espetáculo Elis, A Musical, pelo ator Ícaro Silva, que o interpretou de forma magnifica e que teve como espectador o próprio Jair Rodrigues. Jair morreu em março de 2014 aos 75 anos vítima de um infarto.

Em 1986, Roberta finalmente conseguiu realizar seu sonho, lançou seu primeiro disco como cantora, obtendo grande sucesso. Chamado de “Roberta Miranda Vol. I” vendeu cerca de 1,7 milhões de cópias, com destaque para a música “São tantas coisas”, composta por ela mesma.


Capa do disco Roberta Miranda Vol. 1 - 1986
Suas composições parecem caber como uma luva para o gênero sertanejo, visto que as principais duplas sertanejas surgidos após o sucesso de Chitãozinho & Xororó no final dos anos 80, gravaram músicas de Roberta Miranda. Entre eles podemos citar Leandro & Leonardo, Zezé de Camargo & Luciano, Gian & Giovani, Cezar & Paulino, entre outros.

Roberta Miranda foi a quarta cantora brasileira que mais vendeu discos, ficando atrás somente de Rita Lee, Xuxa e Maria Bethânia. Foi aclamada pelo seu público com o título de Rainha da música Sertaneja.

Depois de quase 30 anos de carreira como cantora, mais de 20 discos gravados e cerca de 18 milhões de discos vendidos, a carreira de Roberta Miranda continua de “vento em popa”. Roberta tem sido presença constante na mídia, seja nas redes sociais dialogando com fãs, postando fotos e vídeos sobre seu dia a dia ou participando de programas de auditório ou de entrevistas na televisão.

Seu mais recente trabalho foi a gravação do disco “Roberta Canta Roberto” em 2014, cantando músicas compostas pelo Rei Roberto Carlos e pelo seu amigo Erasmo Carlos.

Em 2015, Roberta ganhou o prêmio de Melhor Cantora de Canção Popular, no 26º Prêmio da música Brasileira, que tem como conselheiros, personalidades ligadas à cultura brasileira. Entre eles destacam-se Gilberto Gil, João Bosco, Zuza Homem de Melo, José Mauricio Machline, Wanderléa, entre outros.


Fontes:
  • Programa De Frente com Gabi: Entrevista com Roberta Miranda – Nov/2014 (SBT)
  • Blognejo: Entrevista com Roberta Miranda – Ago/2015
  • Roberta Miranda Site Oficial – www.robertamiranda.com.br
  • Programa Todo Seu: Ronnie Von entrevista Roberta Miranda – Out/2013
  • Programa de Frente com Gabi: Entrevista com Roberta Miranda – Set/1998 (SBT)
  • Wikipedia – www.wikipedia.org.br



domingo, 20 de setembro de 2015

Saudade de Minha Terra (1966)

Saudade de Minha Terra

(Composição: Belmonte e Goiá / Interpretes: Belmonte & Amarai)




Este texto começa com uma correção no subtítulo do texto: Composição somente de Goiá.

Goiá era uma pessoa muito humilde e iniciante no show business, com o objetivo de ter suas músicas gravadas ou veiculadas, negociou participação em suas composições com interpretes ou radialistas e Saudade de Minha Terra não foi uma exceção.

Mas antes de falarmos da música, vamos conhecer um pouco sobre a história deste compositor que melhor do que ninguém, soube expressar o sentimento de muitos brasileiros, que deixaram sua terra natal em busca de uma vida melhor na cidade grande.

Goiá
Goiá é o apelido de Gerson Coutinho da Silva, Nascido em 1935 em Coromandel-MG (cidade que fica a oeste do estado de Minas Gerais e a cerca de 500km da capital Belo Horizonte). Estudou música com o maestro José Ferreira e sempre gostou de poesias e trovas. Aos 18 anos, mudou-se para Goiânia (capital do estado de Goiás e a cerca de 400km de Coromandel-MG) na companhia do pai e com o sonho de fazer música sertaneja.

No tempo que viveu em Goiânia, participou do Trio Amizade (formado pelos amigos Zé Micuim, Goiá e Goiazinho), participou de programas de rádio, realizou pequenos shows em circos e cineteatros, além de ter gravado dois discos (com pouca repercussão e investimento dos próprios artistas).

Em 1956, depois de viver dois anos em Goiânia, Goiá se muda para São Paulo em busca do sucesso, isto porque a cidade abrigava o principal mercado consumidor e a maior estrutura de produção e difusão do gênero sertanejo. Mas o que pesou em sua decisão foi a de que Ilda, a namorada dos tempos de Coromandel-MG, vivia com a família na cidade.

Neste período, foram os dois irmãos de Ilda, Biá e Biazinho que abriram “portas” para Goiá, pois já faziam parte do meio artístico sertanejo.

Biazinho fazia shows e participava de programas de rádio como integrante da dupla Gauchito e Biazinho, enquanto Biá, cantor e compositor, formava dupla com o Palmeira (Diretor artístico da gravadora RCA Victor/Chanteclair), que gravariam neste mesmo ano um dos grandes sucessos da dupla, a música Boneca Cobiçada (leia esta grande história, clicando aqui). 

Mas a vida artística na época não era tão rentável como a de hoje e Goiá, começou a trabalhar na nova cidade, fazendo participações em programas de rádio, integrando grupos musicais e nas horas vagas escrevendo músicas.

Ficou assim durante algum tempo, casou-se com Ilda e sentindo a dificuldade de se manter somente com os rendimentos do meio artístico, arrumou um emprego no Banco de Crédito Nacional (BCN) no setor de cadastros, para complementar a renda.

Vivendo em São Paulo e convivendo com diversos gêneros musicais, Goiá decidiu mudar o seu estilo de composição adicionando um pouco de sofisticação, sem erros de concordância, sem exagero de sentimentos, mais naturalidade e principalmente sem o jeito de falar “errado” as palavras, comumente utilizada em músicas caipiras.

Em meados dos anos sessenta, o governo militar fazia uma campanha excessivamente otimista sobre as oportunidades nos grandes centros e inspirados por essa propaganda, milhares de famílias deixaram a vida no campo em busca de uma condição melhor. A informação não era totalmente incorreta, havia as tais “oportunidades”, mas não para todos, o que causou um sentimento de frustração para aqueles que aceitaram o desafio.

Esse período na história foi chamado de êxodo rural e refletiu diretamente nos rumos da música sertaneja, porque inspirou diversos compositores da época a escrever músicas sobre o tema.

Quem conseguiu melhor traduzir este sentimento foi Goiá. Ele era muito apegado às suas raízes e lembranças de infância, tinha em sua cidade Natal Coromandel-MG, seu porto seguro e na contramão do que dizia João Gilberto na música “Chega de Saudade” (composição de Tom Jobim e Vinicius de Morais, gravado em 1958), Goiá deixava claro que a vida na cidade grande não o fazia feliz.

Foi tomado deste sentimento que Goiá compôs uma das mais belas canções, que viria a se tornar um dos hinos da música sertaneja, a música: Saudade de Minha Terra.

A ideia para a letra da música surgiu quando caminhava pelas ruas do centro da capital paulista. Observava os enormes prédios e só pensava em uma coisa, voltar para casa.

A letra da música é quase uma autobiografia, pois fala de situações vividas pelo autor, cita lugares de sua cidade natal e principalmente declara seu amor e preocupação pela mãe. No verso “Tô aqui cantando, de longe escutando Alguém está chorando, com rádio ligado”, ele está falando dela, que sempre chorava quando o ouvia cantando no rádio.

A história de Goiá estava prestes a mudar, mas não só a dele. A vida do compositor estava prestes a cruzar com a de uma dupla sertaneja, que havia se formado a pouco tempo e que teria sua competência colocada à prova.

Em 1965, a gravadora RCA Victor (atual Sony Music), contratava como Diretor Artístico o músico Waldemar de Franchesi, o Nenete. Grande músico e compositor, que possui em seu currículo a gravação do clássico sertanejo Menino da Porteira (composição de Teddy Vieira e Luizinho), quando fazia dupla com Luizinho, numa das muitas formações da dupla Luizinho & Limeira.

Waldemar de Franchesi - o Nenete
Nenete, grande amigo de Belmonte e Amarai, fez contato com a dupla, propondo um contrato de gravação. Segundo relato de Amarai, naquela época os artistas passavam por um “teste”, que consistia na gravação de três discos. Se não fizesse sucesso, o acordo era desfeito. Os artistas não ganhavam muito com a venda, em geral o que ficava para eles era cerca de 5% do total vendido e nem sempre as gravadoras eram precisas em informar os dados aos artistas. O que interessava para eles era a divulgação, que os permitia tocar nas rádios e consequentemente vender shows.

A dupla recém-formada (em 1964) se conheceu no “Café dos Artistas” área com inúmeros bares que ia do largo Paissandu, passando por toda a avenida São João e terminava na esquina com a Ipiranga. Foi nesta época que conheceram Goiá, boêmio, também frequentava a região.

Tocavam principalmente em churrascarias, tendo em seu repertório além da música sertaneja, boleros e tangos. Eram considerados modernos para a época, pois incluíam em suas apresentações, harpas, trompetes e bongôs além do violão e da viola.

Capa do Disco Saudade de Minha Terra (1966)

Já no primeiro disco veio o sucesso. A dupla grava em 1966 disco com a música Saudade de Minha Terra (de Goiá), que vende em todo o Brasil, cerca de 1,4 milhões de cópia e transforma Belmonte & Amarai no novo sucesso do país, que perdurou até 1972, quando Belmonte morreu, vítima de um acidente automobilístico.

Goiá fez composições para inúmeras duplas sertanejas, entre elas Pedro Bento & Zé da Estrada, Liu & Léu, Irmãs Galvão, Zilo e Zalo, entre outros. Houve também inúmeras regravações de sua obra, nas vozes de artistas como Milionário & José Rico e Chitãozinho & Xororó.

Como não há registro oficial, estima-se que Goiá teria escrito cerca de 800 músicas, porém não fez fortuna, porque além de distribuir créditos em sua obra, a composição não era valorizada.

Goiá faleceu aos 46 anos, vítima de complicações da diabetes e de cirrose.


Fontes:

  • Livro: Negociações de um Sedutor – Trajetória e obra do compositor Goiá no meio artístico sertanejo (1954-1981) – Diogo de Souza – 2009 - Universidade Federal de Uberlândia.
  • Blog: Universo Sertanejo – André Piunti – Mar/2011 - http://universosertanejo.blogosfera.uol.com.br/2011/03/27/saudade-da-minha-terra/
  • Programa Viola Minha Viola – Participação de Belmonte e Amarai – Set/2014
  • Terra da Padroeira – Quadro Rancho da Saudade com Belmonte & Amarai – Mar/2013
  • Programa Viola Minha Viola – Homenagem a Goiá – 1981.
  • Documentário: Goiá um grande compositor – Jan/2013 - https://www.youtube.com/watch?v=UNSQpY9MgfA


domingo, 13 de setembro de 2015

Seu amor ainda é tudo (1986)

Seu Amor ainda é tudo

(Composição: Moacyr Franco / Interpretes: João Mineiro & Marciano)



O ano era 1987.

Moacyr Franco: compositor, cantor, ator, humorista e grande artista brasileiro, enfrentava momentos difíceis.

Após uma passagem pela política (eleito deputado federal pelo PTB paulista cumprindo mandato entre os anos de 1983 e 1987, teve entre seus projetos a proposta de lei da abertura de cotas para estudantes negros), tentava recomeçar sua carreira artística, porém sem o apoio da grande mídia (rádio e televisão) e sem acesso às gravadoras, que o tacharam com uma falha moral por ter se tornado parlamentar, decidiu colocar o “pé na estrada” e recomeçar.

Quase como um artista mambembe, acompanhado de apenas um músico, retomou sua carreira cantando “onde pudesse e recebendo o que dessem”. Moacyr Viajou o Brasil Inteiro, a bordo de uma Caravan Amarela, ano 1978, se apresentando em circos, clubes e bares.


Moacyr Franco
Em seus pensamentos, Moacyr se questionava sobre como havia deixado sua vida tomar aquele rumo e muitas vezes se via aos prantos. Não era nem sombra do artista de outras épocas quando nos anos 60 e 70 vendias milhares de discos, ganhava prêmios e se apresentava em programas de televisão, sempre com grande audiência.

Foi quando numa destas apresentações, Moacyr se viu numa situação que faria sua vida sofrer uma reviravolta.

Era domingo e Moacyr Franco se apresentava em um circo na cidade de Guarulhos (Estado de São Paulo). Era noite e chovia muito. O público era minguado e da onde estava, pelo olhar, conseguia contar a quantidade de pessoas que prestigiava seu show.

Ao término da apresentação, aquelas pessoas se aglomeram ao seu redor com o objetivo de tirar uma foto ou de conseguir trocar algumas palavras com o artista. Mas no estado de tristeza em que se encontrava, ele achava que aquelas pessoas estavam ali porque sentiam pena dele.

Foi quando surgiu ao fundo, uma figura alta, todo molhado pela chuva que caia lá fora. A pessoa se aproximou dele, se apresentou como José Marciano, cantor de uma dupla sertaneja e que estava interessado em gravar uma música de seu repertório.

Moacyr perguntou qual era o nome da dupla e o rapaz disse João Mineiro & Marciano. Ele nunca tinha ouvido falar da dupla, mas até aquele momento, seu conhecimento sobre o gênero sertanejo se limitava à músicos do passado ou dos que possuíam algum destaque na mídia.

Foi então que Moacyr questionou qual música a dupla gostaria de gravar, pois imaginou que seria algum dos seus grandes sucessos como Milagre da Flecha ou Balada N° 7 (que tinha como tema a vida do grande craque do Botafogo e da seleção brasileira Garrincha, que teve grande execução na mídia brasileira no ano de seu lançamento, 1971). Foi quando o rapaz mencionou que desejava gravar a música Seu amor ainda é tudo.

Moacyr questionou o rapaz sobre como ele tinha tomado conhecimento daquela música, pois nem mesmo ele se lembrava da letra da canção. Foi quando Marciano falou sobre a admiração pelo seu trabalho e disse que ouviu a música em um disco que pertencia a uma ex-namorada, onde a canção havia sido gravada (Compacto com as músicas Pedágio/Seu Amor ainda é tudo – 1982).

Ansioso, Marciano perguntou mais uma vez se o artista o autorizava a gravar. Moacyr disse sim. Trocaram números de telefone (naquela época ainda não haviam telefones celulares) e Marciano saiu saltitante e muito empolgado pela conquista. Do outro lado, Moacyr ficou só, pois as pessoas que o cercavam já haviam ido embora, restava ao artista continuar “tocando a vida” e se preparar para o próximo show.

O desejo de Marciano em gravar a canção era enorme, porém antes de pedir a autorização, o cantor havia feito alguns ajustes em partes da música, a fim de ajustá-la ao arranjo e harmonia que vinha trabalhando e adaptando-a ao estilo sertanejo romântico.

João Mineiro & Marciano
Marciano era compositor e dominava o assunto. Havia composto diversas músicas desde meados dos anos 70, além de já ter emplacado um grande sucesso em 1982, com a canção Fio de Cabelo, em parceria com seu grande amigo Darci Rossi, nas vozes de Chitãozinho e Xororó (clique aqui para ler esta grande história).

Mas desta vez era diferente, pois faria o papel de cantor e a muito buscava alcançar o sucesso. Desde 1974 ele fazia dupla com João Mineiro, cantor experiente que já havia participado de outras duas duplas (João Mineiro & Mulatinho e João Mineiro & Zé Goiás, entre o fim dos anos 60 e início dos anos 70), lançado diversos discos, porém apenas com pequenos êxitos.

O trabalho de produção do novo disco chegava ao fim, mas o trabalho de lançamento estava só começando. A música de Moacyr Franco faria parte do repertório do LP João Mineiro & Marciano – Vol 11 e a exemplo do primeiro grande sucesso de Marciano como compositor (Fio de Cabelo – 1982) a canção seria posicionada como a segunda música do lado A. Tudo conspirava para que o ano de 1987 fosse bem diferente dos anteriores na vida da dupla. 

LP João Mineiro & Marciano - Vol 11
Após um grande trabalho de divulgação na mídia, as músicas do disco passaram a ter enorme aceitação pelo público. Podia-se ouvir as músicas de João Mineiro & Marciano a qualquer hora do dia, no rádio e nos programas de televisão, com destaque para as canções Crises de Amor (composição de Marciano, Darci Rossi e José Homero), Whisky com Gelo (composição de Marciano e Darci Rossi) e a campeã de audiência: Seu amor ainda é tudo (composição de Moacyr Franco).

A música sertaneja havia se tornado um grande sucesso entre o público que dividia a atenção entre as músicas interpretadas por João Mineiro & Marciano e Chitãozinho & Xororó. Naquele mesmo ano, a dupla recebeu um convite de Silvio Santos para apresentar um programa sobre o gênero, nas manhãs de domingo no SBT. O programa foi chamado de João Mineiro & Marciano Especial, que além de tocar suas próprias músicas, também recebiam convidados que dividiam o palco com a dupla.

A carreira da dupla ia de vento em poupa, com agenda de shows cheia e apresentações marcadas em todo o Brasil. No período de um ano, o disco João Mineiro & Marciano – Vol 11, atingiu a marca de 2,5 milhões de cópias vendidas, marcando um novo recorde na história da música sertaneja. Desta forma, o gênero musical se consolidou como um grande filão comercial, que demonstrava qualidade e folego suficiente que se perpetuaria por muitos anos, inclusive com o surgimento de novas duplas.

Este período também foi muito especial para Moacyr Franco, pois além de receber pelos direitos autorais de sua canção, o artista ganhou novamente notoriedade na mídia, passando a ser convidado para participações em programas de televisão (principal mídia de massa na época, antes do advento da internet).

A busca por suas composições cresceu vertiginosamente, sendo solicitações feitas principalmente por artistas do gênero Sertanejo. Além de João Mineiro & Marciano (Seu amor ainda é tudo, Ainda ontem chorei de Saudade e Se eu não puder te esquecer), Moacyr cedeu suas músicas para outros artistas como Nalva Aguiar (Dia de Formatura), João Paulo & Daniel (Dia de Visita e Você não morre mais), Bruno & Marrone (Goiás é Mais), Cezar e Paulinho (Verdades de Pescador), Zezé de Camargo & Luciano (Milagre da Flecha) entre outros. Com o tempo, se transformou numa referência de sucesso para a música sertaneja.

Fontes:
  • Programa Alma Caipira com Dani e Danilo – Entrevista com Marciano – TV ARA Canal 31 UHF (Araraquara) – Fev/2012;
  • Programa Recanto Sertanejo – Entrevista com Marciano -  Tv SC - Mar/2014;
  • Quadro Rancho da Saudade – Programa Terra da Padroeira – Tv. Aparecida – Ago/2013;
  • Reportagem sobre o Velório de João Mineiro na EPTV - Filiada da Rede Globo – Mar/2012;
  • Programa de Frente com Gaby –Entrevista com Moacyr Franco – SBT – Nov/2011;
  • Entrevista Exclusiva com Moacyr Franco por José Nello Marques – Super Rádio Tupi AM de SP – Mai/2013 - https://www.youtube.com/watch?v=cgBunUci-RM;
  • Memória Globo – memoriaglobo.globo.com;
  • Entrevista com Moacyr Franco no Programa Coletiva de Imprensa – Cultura em Cena – https://www.youtube.com/watch?v=2bbNiIqbjB0
  • Entrevista com Moacyr Franco no Programa Jô Soares Onze e Meio – SBT - 1991
  • Entrevista com Marciano – Universo Sertanejo – Nov/2010 - http://universosertanejo.blog.uol.com.br/arch2010-09-19_2010-09-25.html

sábado, 5 de setembro de 2015

Fio de Cabelo (1982)

Fio de Cabelo

(Letra: Darci Rossi/ Música: Marciano / Interpretes: Chitãozinho & Xororó)




O sucesso da música Fio de Cabelo foi um marco na carreira da dupla Chitãozinho e Xororó, pois os projetou como artistas populares nacionalmente. Houve um aumento na contratação de shows (chegaram a marca de 295 shows no período de um ano), além de romper barreiras e preconceitos, pois ultrapassou os limites da quantidade de fãs da música sertaneja e até aquele momento, na mídia da época, a música sertaneja tocava apenas nas rádios AM e em horários alternativos (no período da noite ou de madrugada). Desde então, passou a ser veiculada nas rádios FM ao longo do dia, além de surgirem convites para se apresentarem em programas de televisão de grande sucesso.

Em 1986, vendo o potencial do gênero sertanejo, Silvio Santos convidou a dupla para apresentar um programa nas manhãs de domingo no SBT (antes do Programa Silvio Santos), chamado de Chitãozinho e Xororó Especial, que alcançava bons números de audiência e grande repercussão na mídia.


Programa Chitãozinho & Xororó Especial (1986)

Neste período dividiam espaço com RPM, Sidney Magal e Ritchie, que fazia enorme sucesso com a canção Menina Veneno.


Capa do disco 60 Dias Apaixonado (1979)
Mas nem sempre foi assim, a dupla esperou 8 anos, desde o seu primeiro disco (Galopeira – 1970), para alcançar o sucesso e receber seu primeiro disco de ouro em 1978. Neste meio tempo, pensaram até em encerrar a carreira por falta de dinheiro (nesta época o trabalho deles já era a principal fonte de renda da família).

Antes de “estourar” no Brasil inteiro com o novo sucesso, Chitãozinho e Xororó tinha conquistando seu público em dois outros discos: 60 dias apaixonado (1979), que os tornou conhecidos regionalmente, vendendo 180 mil cópias e Amante Amada (1981), que alcançou a marca de 400 mil cópias. Neste período, um disco de música sertaneja considerado bom, vendia em média 150 mil cópias, número este que a dupla já tinha superado.

Então o que aconteceu? Como foi que a dupla teve acesso a este clássico que revolucionou a história da música sertaneja?

Tudo começou com o início de uma amizade, que viria a render frutos para ambos.

O ano era 1976 e Darci Rossi (um dos compositores da música Fio de Cabelo), trabalhava como gerente do Banco GM, entidade financeira que financiava os carros da marca. Nesta época, um amigo o procurou acompanhado de Chitãozinho e Xororó, informando que a dupla estava interessada em realizar um financiamento para aquisição de um veículo. Darci que já conhecia o trabalho da dupla concedeu a autorização. Antes de se despedirem, Darci comentou com a dupla que gostava dos trabalhos dos compositores José Fortuna (compositor da Guarânia Índia, interpretada com grande sucesso pelo casal Cascatinha e Inhana, em 1952) e Goiá (compositor do hino da música Sertaneja Saudade de Minha Terra, sucesso nas vozes de Belmonte e Amarai, em 1966) e que escrevias poesias, então perguntou se eles não gostariam de conhece-las. Foi então que combinaram de visitá-lo em sua casa.


Darci Rossi
Na data marcada, analisando o trabalho de Darci, Xororó se encantou com o material produzido pelo colega, foi quando perguntou a ele se não havia interesse em colocar a letra em uma melodia que ele vinha trabalhando, mas que ainda não tinha nome. Darci alertou que nunca tinha feito nada parecido, mas Xororó o encorajou a tentar.

Desta experiência nasceu a música Querida, com letra de Darci Rossi e Música de Xororó, que fez parte do repertório do disco A força jovem da música sertaneja, lançado em 1977. Depois desta música, Darci tomou gosto pelas composições, tendo lançado inúmeras canções nos anos seguintes em parceria com Marciano (da dupla João Mineiro e Marciano).

Em 1981, após finalizar a letra da canção Fio de cabelo, Darci entrou em contato com o parceiro de composição Marciano, para lhe pôr a par da novidade e disse: “Acho que fizemos uma música que vai ser sucesso”.



João Mineiro e Marciano
Neste período, Marciano estava trabalhando no lançamento do disco Viciado em Você, gravado em parceria com João Mineiro (João Mineiro e Marciano faziam dupla desde de 1970, mas o sucesso só chegaria em 1986 com o lançamento do hit Seu amor ainda é tudo, de composição de Moacyr Franco). Como o disco já estava pronto, todo empolgado ele pensou em apresentar a canção à João Mineiro e se ele gostasse, guardaria para gravá-la no próximo disco o que ocorreria em seis meses. Porém a empolgação não durou muito, João Mineiro não gostou da música, pois na visão dele, o tema fugia do padrão que costumavam adotar em seu repertório.

Frustrado, decidiu oferecer a música a outro artista que se interessasse em gravá-la, foi quando a gravadora Copacabana, solicitou à Marciano uma de suas composições para compor o reportório do cantor Célio Roberto. Ele havia gravado a canção “Não toque essa música” que fazia certo sucesso na época, porém precisava de um novo hit. Marciano então apresentou ao cantor a canção Fio de Cabelo. Passados 15 dias, encontrou novamente o cantor e questionou se ele havia gostado da canção, mas surpreendeu-se ao saber que o artista nem havia escutado a música, alegando falta de tempo.

Numa nova tentativa, ele apresentou a música à dupla Valderi e Mizael, que também fazia parte do elenco contratado da gravadora Copacabana. A dupla adorou a nova música, porém a melodia não se encaixava com o estilo de voz deles, então liberaram Marciano para oferecer a canção a quem se interessasse.

Neste período José Homero, produtor musical de Chitãozinho e Xororó tomou conhecimento da música, por meio da dupla Valderi e Mizael, nos bastidores do programa Linha Sertaneja Classe A, apresentado pelo seu pai Zé Bettio nas manhãs da Rádio Record. Ele entrou em contato com Marciano pedindo autorização para gravá-la, pois Chitãozinho e Xororó estavam finalizando seu novo disco e faltava uma música para preencher o repertório. Marciano liberou imediatamente, pois já havia oferecido a música a três artista diferentes e nenhum deles haviam se interessado em gravá-la.


Chitãozinho e Xororó gostaram da canção, porém acharam que a música era muito longa e a reduziram durante o processo de gravação, além de adaptarem o arranjo e a harmonia. Devido a estas adequações, a música levou cerca de 12 horas para ser gravada.


Capa do disco SomosApaixonados (1982)
O nome do álbum onde a música Fio de Cabelo foi gravada se chamava Somos Apaixonados e foi lançado no final do ano de 1982, pela gravadora Copacabana. O disco foi chamado assim, porque apesar de gostarem muito da canção, acreditavam que a música que faria sucesso seria a música tema Somos Apaixonados, primeira do lado A. Mesmo assim, posicionaram a gravação de Fio de Cabelo como a segunda música do lado A.

O início dos anos 80 começava com grandes mudanças para o nosso País, pois atingia a metade do período conhecido como abertura política, onde o governo militar (que dominava o Brasil desde 1964), fazia o processo de liberalização do Regime. No ano de lançamento da música Fio de Cabelo, foi o primeiro em 18 anos que a população teve o direito de realizar eleições diretas para governadores, senadores, prefeitos, deputados federais e deputados estaduais (menos presidente). Para coroar, foi também ano de copa do mundo. Período que o povo viu uma das melhores seleções brasileiras em copa, porém não foi campeã, sendo eliminada pela Itália na segunda fase.

Na música internacional, este ano foi também o lançamento do disco Thriller de Michel Jackson, o álbum mais vendido da história. Atualmente este disco já vendeu mais de 100 milhões de cópias em todo o mundo.

O ano de 1983 se iniciava, e a canção Fio de Cabelo tornou-se um grande sucesso. Era executada em rádios FM em todo o país, projetando a carreira de Chitãozinho e Xororó no cenário musical nacional. Pessoas que não se interessavam pela música sertaneja, passaram a dar mais atenção ao gênero que se tornou popular. No período de um ano, o disco Somos Apaixonados alcançou a incrível marca de 1,5 milhão de cópias vendidas, superando em muito a expectativa da dupla, que em dois anos triplicou a quantidade de discos vendidos.


Contracapa do disco Somos Apaixonados (1982)

Os críticos musicais como Zuza Homem de Melo, dizem que a partir de Chitãozinho e Xororó e em particular com a gravação da música Fio de Cabelo, surgiu uma nova temática na composição da música sertaneja.

Com um público cada vez maior, a partir de então a dupla passou a investir mais na infraestrutura de shows, se inspirando até em apresentações de artistas internacionais.

Ao completar 45 anos de carreira em 2015, Chitãozinho e Xororó continuaram trabalhando a todo vapor e em janeiro deste mesmo ano, interpretaram as músicas de Tom Jobim sob o ponto de vista da música sertaneja, escolhendo músicas famosas de seu repertório como Águas de Março, mas dando preferência para as músicas onde a temática fosse a natureza. Este novo trabalho foi chamado de Tom do Sertão. 


Capa do disco Tom do Sertão (2015)

Fontes:


  • Livro: De caipira à universitário – A história do sucesso da música sertaneja – Edvan Antunes – Matrix Editora – 2012.
  • Site Oficial de José Fortuna - http://www.josefortuna.com.br
  • Documentário: Homenagem à Darci Rossi – TV Câmara Valinhos
  • Site SBTPedia - http://www.sbtpedia.com.br
  • BlogNejo- Entrevista exclusiva com Marciano – Dez/2014 - http://blognejo.com.br
  • Fonte: Wikipedia - https://www.wikipedia.org
  • Documentário – Nascemos para Cantar: Chitãozinho e Xororó – Dez/2010
  • Programa The Noite com Danilo Gentili (SBT) – Entrevista com Chitãozinho e Xororó – Abr/2015